Acontecimentos violentos carnavalescos, uma música ouvida no celular a espera de um voo atrasado (Rosas, do Atitude Feminina ♥) e a lembrança de uma personagem querida (Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo ♥♥♥♥♥) foram a mistura que eu venho maturando desde o fim da festa da carne e que só desemboco aqui agora (tardia, oi?!), às vésperas do 8 de março, mas isso tem seu segredo de sentido, tenho certeza.
Há mais de uma semana que eu comecei a escrever esse textito, começava e parava, começava e parava, assim como o ciclo vivido por mulheres que tentam se desvencilhar da violência: começam e param diversas vezes, o medo fala alto e o recuo surge como a saída mais viável. Difícil lidar com a violência sempre e sempre, seja na #RealLife, seja nas representações artísticas e isso fez com que essa escrita não fluísse bem como as outras, enfim.
Muitas imagens e acontecimentos de agressões contra mulheres vieram me “visitar” nesse carnaval, "vi" de perto o que a gente não quer ver nem a quilômetros de distância. E aí, né?! O que fazer diante dessa merda toda é uma angústia que parece sem fim, uma estupidez que o discurso teórico-feminista ainda não me “ensinou” a enfrentar de forma eficaz. Vamos combinar também que eu nem tento mais esse tipo de resposta, pois para mulheres que não se encaixam no perfil padrão-clássico- feminista, os caminhos jamais seriam iguais: ok. Diante disso, com o auxílio das mãos de verdadeiras sistas pretas, apostei minhas fichas na solidariedade e o refrão #SozinhaCêNumGuenta me salvou da doideira que é tentar montar o quebra cabeças do mundo opressor.
Isso rolou há uns quatro anos atrás, quando algumas “amigas pretas poder” (Candaces ♥ ) resolveram montar um grupo para ler outras pretas poder elevadas a milésima potência (!!!) e as personagens dos livros que ali conheci se tornaram minhas terapeutas, gente! (hehehehehee). Na verdade, a maioria delas me deixava era loka dentro da roupa com as dores de suas vivências até eu entender que apagá-las de certas narrativas é esconder o indesejado em baixo do tapete.
Ainda bem que as mulheres pretas costumam pegar as dores, as pedras do caminho e acabam construindo castelos daqueles! Bota fé?! É isso que as meninas do grupo de rap aqui do DF “Atitude Feminina” ♥ realizam em sua trajetória de forma muito especial. E nessa de buscar nas trocas internas, na solidariedade e cumplicidade os motes-vida é que fiquei viajando (literalmente, voando de volta de um carnaval meio yin-yang) num encontro entre a música dessas garotas e a amada protagonista do romance Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, escritora afrobrasileira contemporânea daquelas que encaram os problemas e tenta nos fazer potentes diante daquilo que nos emudece.
Ponciá ecoa a voz de tantas jovens negras que saíram do meio rural e foram para a cidade trabalhar como empregadas domésticas em busca de sonhos (alguém aí tem uma mãe, avó, tia, prima ou amiga com essa história?). O problema é que a cidade tem um sonho próprio no qual as Ponciás só cabem beirando as margens e lotando os puxadinhos. A trajetória de Ponciá Vicêncio não se difere das histórias não-ficcionais conhecidas por nós, as explorações dissecadoras da mão-de-obra, as péssimas condições de moradia, a educação e a saúde figurando como artigos de luxo e a necessidade de sustentar-se nessa corda bamba com as marcas deixadas por um marido violento são alguns dos fatores que levaram Ponciá a viver num mundo silencioso a parte. Tenho um palpite: se um encontro entre as sistas de Sobradinho não arrancasse nossa amiga Ponciá de vez da dor-apatia, ao menos a faria sentir-se acolhida: #SozinhaNinguémGuenta.
A parte foda das escrivivências de Evaristo e do Atitude Feminina é a parte foda da vida: encarar as verdades de frente. Na maioria das vezes a gente quer ouvir o amor, a risada, dançar e esquecer a parte complicada de existir quando buscamos nos deleitar perante diversas manifestações artísticas, mas também podemos ir até as mesmas no intuito de diluir nela boa parte dessa parte foda. A música “Rosas”, das meninas do Atitude, traz para a cena do rap a escamoteada violência contra as mulheres e logo no começo denuncia: “A cada quinze segundos uma mulher é agredida no Brasil / E a realidade não é nem um pouco cor-de-rosa / A cada ano dois milhões de mulheres são espancadas por maridos ou namorados”. Essa estratégia de informar através da música tem retorno de compreensão muito rápido, considero incalculável o impacto dessa letra na vida de quem só vê amarras, é uma conversa com amigas verdadeiras e (conhecimento de causa) nada é mais revelador do que essa sincera troca.
Ponciá ecoa a voz de tantas jovens negras que saíram do meio rural e foram para a cidade trabalhar como empregadas domésticas em busca de sonhos (alguém aí tem uma mãe, avó, tia, prima ou amiga com essa história?). O problema é que a cidade tem um sonho próprio no qual as Ponciás só cabem beirando as margens e lotando os puxadinhos. A trajetória de Ponciá Vicêncio não se difere das histórias não-ficcionais conhecidas por nós, as explorações dissecadoras da mão-de-obra, as péssimas condições de moradia, a educação e a saúde figurando como artigos de luxo e a necessidade de sustentar-se nessa corda bamba com as marcas deixadas por um marido violento são alguns dos fatores que levaram Ponciá a viver num mundo silencioso a parte. Tenho um palpite: se um encontro entre as sistas de Sobradinho não arrancasse nossa amiga Ponciá de vez da dor-apatia, ao menos a faria sentir-se acolhida: #SozinhaNinguémGuenta.
A parte foda das escrivivências de Evaristo e do Atitude Feminina é a parte foda da vida: encarar as verdades de frente. Na maioria das vezes a gente quer ouvir o amor, a risada, dançar e esquecer a parte complicada de existir quando buscamos nos deleitar perante diversas manifestações artísticas, mas também podemos ir até as mesmas no intuito de diluir nela boa parte dessa parte foda. A música “Rosas”, das meninas do Atitude, traz para a cena do rap a escamoteada violência contra as mulheres e logo no começo denuncia: “A cada quinze segundos uma mulher é agredida no Brasil / E a realidade não é nem um pouco cor-de-rosa / A cada ano dois milhões de mulheres são espancadas por maridos ou namorados”. Essa estratégia de informar através da música tem retorno de compreensão muito rápido, considero incalculável o impacto dessa letra na vida de quem só vê amarras, é uma conversa com amigas verdadeiras e (conhecimento de causa) nada é mais revelador do que essa sincera troca.
Assim como a protagonista de “Rosas”, Ponciá Vicêncio ficou encantada por seu companheiro, a paixão veio de encontro a ela ali no meio da grande cidade: o pedreiro e a empregada doméstica resolveram construir uma vida juntxs. Conceição Evaristo foi delicada e muito responsável na construção das trajetórias de suas personagens, inclusive na representação do companheiro de Ponciá revelando ao(a) leitor(a) o fosso que escondia a violência que o mesmo destinava a ela. Bom, nesse texto eu não estou muito solidária (posso?!) com as pesadas cargas que arquitetam a subjetividade do homem negro de forma a fazê-lo reproduzir no espaço privado a violência que o assola no espaço público: um problema de cada vez. =O
O relato de atitude das meninas de São Sebastião prossegue com a narrativa para o momento em que as coisas mudam entre o casal: “Mas alegria de pobre dura pouco, diz o ditado/Ele ficou diferente agressivo, irritado/ Chegava tarde da rua aquele bafo de pinga/ Batom na camisa e cheiro de rapariga”. O mesmo ocorreu com o relacionamento de Ponciá e a protagonista passou a “conviver” com murros, olhos roxos, hematomas e o silêncio foi sendo firmado entre ela e seu agressor: não mais palavras onde antes cumplicidade. O senso comum, principalmente nas gerações passadas, imprimiu às mulheres que o comportamento adequado das mesmas diante do casamento é o da submissão e o lema “casamento é para toda a vida” forjou uma casa perfeita para o patriarcado promover seus mandos e desmandos.
O desfecho da situação protagonizada pela personagem do Atitude não poderia ser pior: “Começou a quebrar tudo loucamente lombrado / Eu falei que estava grávida ele não me escutou / Me bateu novamente mais dessa vez não parou / Vários socos na barriga, lá se vai a esperança / O sangue escorre no chão, perdi a minha criança/ Aquele monstro que um dia prometeu me amar / Parecia incontrolável eu não pude evitar / Talvez se eu tivesse o denunciado / Talvez se eu tivesse o deixado de lado”. Alerta mais substancial que esse eu tenho pouca imaginação para formular. Tudo muito pesado, intenso, doloroso pra quem ouve, mas com incentivos de liberdade pra quem vive. Ponciá Vicêncio no meio de seu silêncio interrompido apenas pelas socadas do companheiro poderia viver a interrupção do mesmo através dessas Rosas a ela ofertada.
Esse texto é mais um devaneio de quem imagina como seria voltar ao barro origem (desejo reiterado por Ponciá durante toda a obra) fundador de nosotras sistas pretas, talvez isso modificasse tantas coisas! A mudança é motor das vidas neh?! Então que nossa força o gire muito e faça com que o nó na garganta que insiste em nos acompanhar se desfaça o quanto antes, todo dia e sempre. Um 8 de março de barro origem, rosas e atitude para vocês, companheiras! ;)
Nossa, Andressa, texto impactante!
ResponderExcluirObrigada, Anita sumida! hehehe
ResponderExcluirRosas, barro, mulheres... estava-me eu quase perdida em meio a mil significados atribuídos a esse tal 8 de março. Se é o meu dia, faço o que bem entendo com ele. E me entendo com ele. Só queria que fosse tododiatododia. E é. Ainda que tardiamente.
ResponderExcluirLindo o texto. Sempre me angustiei muito com essa música. Lembro da primeira vez em que a ouvi. Lembro melhor ainda do dia em que a voz cantou suave -"infelizmente eu descanso em paz", baixinho no meu ouvido, naquele dia em que eu também apanhei de marido louco. Que susto. Levei uma socada no peito e no orgulho que me empurrou para frente. Esta sem dúvidas foi mais forte do que o tapa na cara não metafórico. A vergonha e o medo agora compreendidos e explicados, porque não estou sozinha e porque mil vezes mil mulheres passaram por mim antes- e o que elas viveram permitiu que eu pudesse gritar hoje.
E gritar alto, afinal o número de decibeis vai aumentando com o galgar de títulos acadêmicos. A gente vai ocupando os espaços e os tornando mais femininos. Escurecidos. Mais nossos. Ponciá sou eu também, com algumas gerações de diferença.
Hayanna, amiga linda. É isso, vc não está sozinha mesmo. Você grita e voa, preta, voa longe, muros não existem no seu mundo! Forca sempre, meu orgulho! =*
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