quarta-feira, 7 de março de 2012

Por um 8 de março Rosa Parks ao som de Nega Gizza


Sou mulher, mas não sou tão frágil ou tão delicada
Meu microfone é minha arma
Minha palavra é como uma espada
Nega Gizza

Dessa vez eu não serei tardia (hehehe) e vim escrever algo sobre o 8 de março a tempo (milagre!).  O último post foi pesadão pra mim, trazendo várias reflexões sobre assuntos velados e que, por isso mesmo são muito caros a nós mulheres. Bom, pra minha lembrança do Dia Internacional da Mulher não ficar com o ranço da violência aqui no blogueiratardia, resolvi escrever um tanto sobre nossa força para encarar perrengues e as resistências cotidianas que forjamos para sermos possíveis nesse mundo falho.
O Dia Internacional da Mulher marca um episódio histórico de resistência na luta pela equidade de direitos entre os gêneros. No dia 8 de março de 1857, trabalhadoras de uma fábrica de tecidos em Nova York foram assassinadas quando se manifestavam a favor de melhores condições de trabalho, as trancaram e atearam fogo na fábrica em que se encontravam e isso resultou na morte de cerca de 130 tecelãs. Esse acontecimento é de extrema relevância para a luta de todas as mulheres, porém, aqui me reservo no direito de lançar meu olhar sobre uma batalha coletiva, mas muito íntima, travada pela mulherada preta que tece sutilmente suas ferramentas possíveis de guerra.
Esse texto é uma reverência à mulher negra que desencadeou um processo importantíssimo na luta pela igualdade dos Direitos Civis nos EUA: Rosa Parks ♥♥♥♥♥ #MáximoInfinitoRespeito! Não fiquei pensando nem cinco segundos quando me fiz a pergunta sobre que mulher preta cabulosa havia desencadeado desdobramentos tão ou mais reverberantes quanto os ocorridos após as mortes naquela fábrica. Constantemente, eu meio que separo as lutas nos meus textos néh??!!! Meu intuito com isso não é segregar cegamente, ser radical ou coisa do tipo, só considero importante pautar as diferenças que os  locais de fala guardam para si e o quanto colocarmos tudo dentro de uma única caixinha pode ser prejudicial. Exemplo mais repetido de todos, mas muito elucidativo: uma feminista branca que luta por igualdade de salários entre homens e mulheres pode, sem dor alguma, explorar uma trabalhadora doméstica negra dentro de sua casa e nem se coçar diante do ato abusivo. Feita minha breve defesa da especificidade da nossa saga feminina preta, parto logo pro anacrônico-encontro imaginado para o Dia Internacional da Mulher: “Larga o Bicho”,da Nega Gizza e da Yeda Hills e seu diálogo com Parks e seu feito. Diz aí se eu não ganho daquele personagem de desenho animado, o Bob Generic, nas minhas looongas viagens?! (hahahahahaha)
É lógico que eu resgataria um rap super querido pra falar do nosso dia, gente! A música “Larga o bicho”, da Nega Gizza e da Yeda Hills é um canto de luta e afirmação para todas nós, a mulherada preta. E para quem não conhece (acho difícil), a norte-americana Rosa Parks é um importantíssimo ícone de luta para os movimentos negros de todo o mundo. No dia 1 de dezembro de 1955, a costureira negra Rosa Parks voltava de um dia de trabalho e recusou-se a ceder seu lugar no ônibus em que se encontrava para que um branco se sentasse. Rosa Parks recebeu apoio do pastor (ainda desconhecido) Martin Luther King Jr. que em sua pregação pediu que a população negra apoiasse a costureira, a partir daí iniciou-se o “Boicote aos ônibus de Montgomery” que pautava o fim da segregação racial nos EUA e que teve duração de 381 dias. O eu-lírico da canção da Gizza diz: “Não sou do tipo que diz não, querendo dizer sim / Nem do tipo falem mal, mas falem de mim (...) Sou nega na pele e na mente / Isso me faz valente / Pois sei que sou descendente do guerreiro zumbi”. Parks não veio com meias palavras, meias atitudes e colocou pra jogo sua força contra a opressão com o pouco que tinha diante do poder do homem branco referendado por um Estado poderoso, estavam ali no ônibus: seu corpo, sua voz, sua escolha, seu cansaço, um tanto de medo, acredito, e os ecos de toda uma linhagem de #MulheresPretasGuerreiras.
Organizar-se diante das opressões é uma eficaz forma de diminuí-las, porém tais atos podem ocorrer de maneiras diferentes como, por exemplo, resguardando as sutilezas das armas que se têm, o cientista político James Scott chama esse movimento de resistência cotidiana. Tal conceito é um dos que eu mais gosto e que diz muito dos movimentos de resistências negras, tapão na cara de quem diz que historicamente aceitamos tudo de forma apática. Nossa Rosa Parks resistiu de forma tão “simples” naquele dia, mas de maneira tão contundente que até hoje a reverenciamos e levamos o ensinamento de sua coragem de geração em geração. Numa entrevista em 1992 a própria Parks explicou: "Meus pés estavam doendo, e eu não sei bem a causa pela qual me recusei a levantar. Mas creio que a verdadeira razão foi que eu senti que tinha o direito de ser tratada de forma igual a qualquer outro passageiro. Nós já havíamos suportado aquele tipo de tratamento durante muito tempo". Parks não era uma feminista acadêmica ou uma protegida que não podia sair de casa sem o pai ou o marido, era uma trabalhadora preta que queria voltar para sua casa depois de um dia de trabalho, pra mim esse é o limiar que diferencia as lutas de mulheres com origens e anseios tão diferentes.
Sua soberana força troca ideia com os versos de Gizza e Hills: “Mulher preta de espírito guerreiro / Quem é, é, sem caô, sem despero / Não sou mulata, não sou mula, sou canhão/ Sou granada que explode a solidão”. Rosa Parks estraçalhou a solidão de quem cedia seus lugares nos ônibus por medo ou por sobrevivência e convocou milhares de pessoas para mover a engrenagem do receio e tentar transformar a base: #IHaveADream!
            As guerreiras do cotidiano, herdeiras e irmãs de Rosa Parks, estão espalhadas por muitos espaços (AINDA BEM) e certamente levam consigo o entendimento explicitado nos versos de Nega Gizza: “Trago na pele a força e minha juventude/ Trago na massa encefálica a negritude/ Trago a virtude que confunde o imbecil /Piscou o olho fuuu fumaça subiu”. Nada da apatia de quem espera acontecer, nada de esconde-esconde, nada de temer o homem que se julga soberano: essa canção é injeção de força na veia!  Tenho total conhecimento de que extremar o subjetivo é dose, referendar o estereótipo de que mulher preta é forte e agüenta tudo já nos ferrou muitas vezes! Não quero fazer isso! Apenas quero registrar, no dia de hoje, que nossa coragem move boicotes, transformações e molda o barro-argila das vidas e isso é muito particular.
            “Larga o bicho” segue para seu fechamento com os versos: “A vida é uma escada /Um degrau após o outro / Rumo ao topo/ A linha ao topo/ A linha de chegada/ Sou mulher,mas não sou tão frágil ou tão delicada/ Meu microfone é a minha arma/ Minha palavra é como uma espada” #TeMETE!! Delicadeza e fragilidade são outros estereótipos construídos para que as mulheres permaneçam no crivo dos mandamentos machistas, fugir disso é estar armada, é ser Rosa Parks não ficando calada, é galgar degraus, ultrapassar linhas de chegada e construir topos só nossos.
            Numa data criada não apenas para darmos os “parabéns” para as mulheres, mas sim para refletirmos acerca dos fossos ainda grandes que diferenciam as mesmas dos homens em diversos aspectos, é importantíssimo pensarmos nas diferenças também alimentadas dentro da grande categoria mulher. Os privilégios raciais, muitas vezes “cordiais”, ainda reservam lugares de prestígio nos ônibus imaginários que podem ser as universidades, o mercado de trabalho, a política etc. Finalizo meu texto marcando a necessidade de refletirmos sobre essas fissuras internas da categoria mulher, fera demais comemorar as vitórias, mas ficar só no confete é ceder lugar pro opressor sentar no baú e ainda curtir a paisagem da janelinha. 

8 de março Rosa Parks ao som de Nega Gizza pra vocês!




2 comentários:

  1. Andressa, cada vez mais vc me surpreende. Você consegue colocar em palavras aquilo que sentimos, aquilo que nos fragiliza e nos fortifica. Agradecida por isso!!! Força a nós mulheres pretas!!!!!!

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  2. Marília bonita, estarmos juntas é o que nos fortalece nessa vida. Força pra gente sempre e obrigada pelas palavras! =)

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