Quem esteve hoje pela manhã na I Bienal Brasil do Livro e da Leitura, realizada em Brasília, teve a oportunidade de discutir os desdobramentos da Literatura Marginal com dois dos seus mais destacados representantes, os escritores Ferréz e Sérgio Vaz. O cantor e poeta Gog mediou a mesa que tinha como tema a “Expressão literária e estética da periferia”, o debate se deu em uma quente tenda do caríssimo evento que traz para a cidade expoentes da literatura mundial como Alice Walker e Wole Soyinka.
As interfaces entre o rap e a Literatura Marginal são simbióticas, como bem frisou Sérgio Vaz em dado momento de sua fala. Então, não é de causar estranhamento o fato de que parte do público fiel ali presente fosse composto por pessoas que viraram a madrugada no show do grupo de rap Racionais MC’s, inclusive os palestrantes e o mediador da mesa. Nada como um dia após o outro dia de agito para leitorxs e agentes da Literatura Marginal (hehehe).
Bocejos e cansaços à parte, Gog apresentou os participantes ao público e iniciou as discussões da manhã falando acerca do compromisso que o Hip Hop tem de promover mudanças na postura e na formação dxs jovens (seu maior público) oriundxs dos espaços da escassez. O cantor considera que a literatura é uma das frentes do movimento que articula muito bem tal “função”.
Ferréz fez uma contundente fala no que diz respeito ao compromisso formativo que ele abraçou como sendo um dos objetivos de seu fazer artístico. O escritor disse que sua missão ali era “convencer leitorxs a serem viciadxs em literatura”. Alguns podem julgar antiquado o “tom messiânico” dado a tal arte, mas convenhamos que é muito fácil estabelecer entendimentos como esse quando se vem do espaço do conforto. Quem sempre esteve nas melhores escolas, com acesso aos mais diversos livros desde a mais remota infância e que precisa de mais de duas mãos para contar o número de viagens que fez ao exterior acha “chic” lidar com a literatura se preocupando apenas sua FORMA em detrimento de seu CONTEÚDO. Essa relação é a raiz de todo o preconceito destinado à Literatura Marginal que não teria sentido algum longe de sua motivação fundamentada na construção de conteúdos que desdobrem algumas transformações, nem que isso seja apenas um sonho para leitorxs e escritorxs.
Partindo da motivação de ser agente modificador de seu lugar, mesmo que em escalas homeopáticas, Ferréz falou da sua atuação como palestrante e oficineiro em escolas públicas e presídios de São Paulo. O mesmo disse entender a literatura como algo vivo, essa percepção leva o escritor a disseminá-la nos espaços onde a vida se forma e também se transforma. O autor leva de Dostoievski, a Plínio Marcos e Fernando Pessoa, dentre muitos outrxs, para reviverem sua arte a partir do momento em que são lidos dentro dos espaços que são esquecidos pelo Estado. Ferréz é um escritor, roteirista, cantor e empresário exemplo do compromisso verbalizado por Mano Brown, na noite anterior, em ocasião do show dos Racionais MC’s na cidade: “Maloqueiro, cuide da sua esquina” #FicaAdica.
Sérgio Vaz, o escritor mais sagaz também nos domínios do “espaço das revoluções com jujubas”, o twitter, começou sua fala lendo o texto “Literatura nas ruas”, presente em seu livro “Literatura, pão e poesia” (2011), que aborda a experiência do mesmo com o sarau da Cooperifa, realizado há onze anos, em São Paulo. O poeta, em sua fala, contemplou os problemas e as vitórias enfrentados por quem encara a missão de propagar a Literatura Marginal. Para ele, a Literatura Marginal não salva vidas como fazem as ONG’s, mas forma cidadãos e cidadãs agentes de transformações cotidianas no mundo. Não poderia ter sido mais pertinente a intervenção do aluno da rede pública e poeta Fernando, que recitou seu poema para a plateia e nos atentou sobre a sistemática vitimização que o olhar outro emprega à periferia. O eu-lírico do poema de Fernando nega todas as interpretações derrotistas dadas à favela e anuncia seu fortalecimento identitário no último verso: “apenas um guerreiro seguindo na missão”. Alguém ainda duvida da agência da arte marginal nas vidas marginalizadas?
A arte precisa se fazer compreensível e a Literatura Marginal (re)inventa a linguagem para dar conta desse objetivo. Sérgio Vaz frisou esse aspecto singular da expressão marginal explicando sua dinâmica de tomada do conhecimento e transformação do mesmo no já citado “Literatura, pão e poesia”, a “antropofagia periférica” assim se faz.
A plateia foi bastante ativa no debate, muitas perguntas foram feitas e houve uma rodada de autógrafos e sessão de fotos com Ferréz, Gog e Sérgio Vaz ao final da mesa. Impossível conseguir transpôr aqui no tardia tudo o que pude absorver desta manhã tão significativa. Vida longa à Literatura Marginal que promoveu um debate dinâmico, enriquecedor e ainda nos agraciou com declamações memoráveis dos, além de tudo, divertidíssimos Sérgio Vaz e Ferréz. Finalizo retomando a frase de Renan Inquérito citada por Vaz em sua contribuição: “Se a história é nossa, deixa que nóis escreve”.
*Fica minha crítica à disfuncional, quente e abafada estrutura montada com recursos que chegam a 9 milhões de reais do dinheiro público para essa bienal. Tanta grana no meio e em um dia de evento já me deparei com um mal planejamento estrutural combinados com uma equipe de recursos humanos um tanto falha e uma insuportável montagem de arena política de deputados e secretários de governo nos atos solenes, aff!
**Troféu joinha para duas pessoas sem noção da produção que chamaram o Sérgio Vaz de Sérgio Sá duas vezes!! =S
***Chamar o twitter carinhosamente de “espaço das revoluções com jujubas” é coisa da querida Ludimila Moreira Menezes! ;P
****Todas as fotos são da Laetícia Jensen Eble querida. ;)
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